sábado, junho 24, 2006

DESENSINAMENTO

ou as reformas apocalípticas
O desenvolvimento dos meios de comunicação social, apoiado em elevados suportes tecnológicos, tendo a diluir o espaço da nossa consciência, iludindo, pela grande massa da informação, no sentido da sua verdadeira mobilidade. Nesse sentido, tendo em conta a vertigem e unificação da nossa abordagem das coisas, muitos dos resultados do trabalho relativo ao visível, por exemplo, análises ou representações, acabam por se tornar redutoras. O conhecimento dos organismos adia o aprofundamente de certos problemas, a alma deles.
As reformas mais ou menos rebuscadas no domínio do ensino (entre nós) podem responder aos problemas, e com melhor eficácia, através dos meios informáticos e de novas metodologias de trabalho sobre o real, parecem-nos fornecer aos formandos práticas cada vez menos recusáveis. Mas tudo isso depende, não da fatalidade de um futuro pendurado na Internet, antes e sobretudo, a montante, pela inovação em torno dos conteúdos, da agilidade de recriar situações e por forma a quje os alunos nunca se isolem mais do que o desejável, nomeadamente em certos campos, a fim de que não percam a fecundidade que advém do grupo num entendimento mais sólido da vida colectiva. Eles necessitam, com efeito, de uma profunda oferta de elementos interacivos - profunda, não massificante - em ordem à conservação estratégica e humanizadora ao longo do seu percurso, pontes que têm sido imprescindíveis na perspectivação cultural dos indivíduos em formação. Encontramos aqui um relavante conjunto de problemas, cujos enunciados se foram enredando pela quantidade e pela pressa dos concursos produtivos, o que reduziu a dispobilidade das universidades para a investigação, os planos médios das apredizagens técnicas, e acabando por gerar vários tipos de departamentos superiores demasiado dispersos quanto ao domínio utilitário, à invenção do óbvio consumível, cada vez mais numa lógica de conferir sentido a constantes desnecessidades. Ao querer adaptar-se a esta concepção do homem e do mundo, as reformas de muitos percursos formativos constituídos a partir dos anos 60 viram-se na contingência de gerir equilíbrios instáveis, competindo com os exércitos persuasivos do exterior, frequentemente sem capacidade de conferir aos alunos meios mínimos de julgamento, escolha e invenção, contra a génese apocalítica.
Quando os conceitos que deram corpo à chamada globalização dominaram planos estruturais, identidades, qualquer minimalismo justificado, já as esratégias e tácticas economicistas, à luz de crescimentos que tendiam a esmagar harmonias iniciadas, alastravam pelas estradas da comunicação e mudavam imensos aparelhos produtores de um continente para o outro com breves operações de download. Antes de promoverem ponderações entre lugares e modos, abrangendo instituições de cunho internacional, a quase totalidade dos gestores de equipamentos transnacionais lançavam projectos multiplicadores de necessidades falseadas, apoiando-se na mediocridade crítica das populações, nos mimetismos mais elementares, na hipnose colectiva largamente assegurada desde um longo e locrativo embuste que tornava o inútil em marca indispensável ao estatuto frívolo que a especulação industrial permitia. E que foi sempre, pelo menos desde o século XIX, a forna cínica de extrair da fome a abundância. A «revoluação» burguesa, ao institucionalizar-se, inventou cenários, entre novidades sedutoras, incrementando a competitividade, a concorrência, os mercados sujeitos a monopólios ainda hoje
projectados em megaconstruções de exploração comercial, em níveis absurdos de multiplicação
de lixos. A própria Igreja Católica contribuíu para tal alienação, desinteressando-se de uma pedagogia forte, reguladora, da cultura equilibrada do consumo.
À Esccola - no plano da educação, no espaço do ensino - teria, ao contrário do que se faz em termos de serviço, e pelo nomadismo selvagem dos docentes, competiria despir-se de princípios aprisionantes da abertura do espírito a uma visão mais ecuménica dos grupos, entre as vias da solidariedade e do social. No plano educativo, todos estes problemas se cruzam, convergindo para polos decisivos, num quadro social de solidariedade. No ensino, o problema também passa pelas quantidades: porque despejar informação sobre massas de alunos é já estar próximo de um procedimento apocalíptico, implicando a constituição de grupos discentes não integrados - rebeldes com e sem causa. Essa não pode ser a opção de instituições bem equipadas; ou não é o modo de aceder ao imediatismo informático, é antes um comportamento epidérmico, ao mesmo tempo devastador. A um despojamento criterioso, com metodologias bem assentes na análise e na crítica, incluindo o entendimento ideológico do mundo, deverá corresponder à rejeição dos inqualificáveis «buracos negros» para onde tudo pode ser absorvido, gente, planetas, galáxias. Para rodear o aumento do número desse buracos, o ensino tem de acordar para uma dimensão menos rasteira, a das nossas qualificações profissionais que se dizem urgentes e os sistemas de contrato de trabalho negam completamente. Um ruído de todas as espécies, do mau gosto também, faz das nossas cidades lugares impróprios para a condução de uma vida equilibrada e de qualidade. Os grandes espaços, ou parques destinados a redutoras ludicidades, encaixam-se junto das bases para concertos de cultura de massas. Acrescentam-se os lugares de esmagamento físico e mental, onde multidões maníaco-depressivas se deleitam, em plena catarse, com jogos mutilantes, estádios para novos gladiadores, vias recorrentes e trágicas como reverência pelos santos, heróis virtuais, chefes religiosos e papas da nossa insignificância. E de que resistência se fala aqui? Certamente da que, na base do equilíbrio comunitário, em dimensões apropriadas aos grupos de famílias, seja capaz de aprender com a força do vento na experiência dele, sem depender apenas de gráficos e de massa de texto. A Escola deve dedicar-se a excluir do seu espaço cultural os males da obesidade palpável que desapetece a palavra e a sabedoria do ser. Não se trata de fazer aqui a defesa do miserabilismo, nem daquele minimalismo mais desproblematizado proposto por certas vanguardas no século XX. É importante reconhecer profundamente os limites de tudo o que se excede e nos envolve, anichando-se dentro de nós mesmos, a fim de que tenhamos condições e vontade de ser feliz. A civilização - cada vez mais autofágica, mais apocalíptica - perde assim o seu rosto, deixa de o ser, abastarda os seus maiores valores culturais, a referência patrimonial, reduzindo o indivíduo a um replicante assombrado com a sua breve vida e no desperdício da engenharia implicada, programa biológico, inteligência, destreza, surpreendente capacidade de amar. Devemos estar muito atentos, com efeito, ao que acontece na abertura do século XXI - pela Escola, superiromente. É preciso observar tudo o que se excede contra a fronteira humana e na perspectiva da inovação harmoniosa do objectivo que nos habita. Ao contrário do que parece, a Escola, em vez de apocalíptica, pode er muito mais simples e integrada -- projecto universal, entre diferenças, se as nações ensinarem aos seus filhos que um vulgar papel dobrado, riscado, recriado, pode valer mais, e ser mais fecundo, do que a placa onde se enterram os polegares na velocidade boçal dos jogos que corrompem o mundo informático e os métodos pedagógicos mais limpos. É preciso, com efeito, começar um vasto rapúdio pelo desmembramento do mundo e o súbito ou lento extermínio da terra pelos desígnios apocalípticos.

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