quinta-feira, junho 29, 2006

Matta Clark

Passo e fico, como o Universo.

Alberto Caeiro

O que fica dos passos, como o Universo, é a poeira sem contornos, nem cor, nem substância. São vidas forçadas a viagens entre Escolas e diferentes Cidades ou Aldeias, uma espécie de exílios somando os anos aos anos, entre vigílias nómadas e tímidas. Os professores portugueses têm, na base da sua utilização pedagógica, esta erância que os divide, os separa, os torna intérpretes da tão anunciada precariedade do trabalho outrora consistente e sujeito a normas de progressão num quadro de carreira, numa perspectiva consolidada de futuro. Esse estatuto, cuja base de sustentação, além das licenciaturas dos doutoramentos, das agregações das ciências da educação, era conquistado devagar e o mais seguramente possível. As famílias constituíam, para muitos docentes, lugares sólios de ancoragem ou o porto provisório de uma vontade colectiva de ensinar mais perto das origens. Uma coisa para uma ou duas décadas, permitindo, em todo o caso, que os protagonistas do ensino se ligassem à terra, à sua história, a par das pessoas e dos seus costumes nos diversos enquadramentos distritais. Lisboa atraía os que mais ambicionavam, entre várias coisas da sedução urbana, entre a frivolidade e a cultura, a vida cosmopolita (ou a sua simulação) - porque, à medida que a colonização se alargava em vários sentidos, os prédios urbanos tentavam sugerir certa qualidade de vida, tinha lareira não se sabe porquê, várias casas de banho, fogões eléctricos, porta-lixos, e porteiros ou porteiras e guardas nocturnos abafados por aqui e por al, portadores de chaves de portas, garagens e carros.

Não quero, com estas imagens, fazer a apologia da apatia cinzenta dos tempos de Salazar, mas apontar desde já os indícios do que deveria hoje ter evoluído para grandes patamares de consistência nos encontros e nos projectos de cada profissão. O rumo inquietante das máquinas que se aproximavam, ao ritmo das migrações, era já o aviltamento da terra, o princípio dos chamamentos chantagistas, cortando sem valor de ciência os campos de uma agricultura onde havia ainda uma sedentarização produtiva da ordem dos 30% da população nacional.

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