quarta-feira, janeiro 24, 2007

OS ARTISTAS ENCOBERTOS

cartazes sobrepostos e rasgados na parede,
um bom símbolo ajustado ao encobrimento dos
nossos escritores e das publicações comerciais
Diogo Pires Aurélio, professor universitário, na coluna CRÓNICA, do Diário de Notícias de 23 de Janeiro do corrente ano, tratou um tema que não nos tem sido alheio, aqui, mas que atinge, de dia para dia, aspectos desastrosas para a literatura portuguesa, um dos maiores bens caracterizadores da nossa cultura. A propósito da poesia de Fiama Hasse Pais Brandão, agora coligida em toda a sua amplitude, Pires Aurélio dizia que certas obras tendem, a despeito da sua grande qualidade, a ficar cada vez mais na sombra, no mais restrito dos restritos círculos de leitores. A observação deste lamentável comportamento, aliás sempre por falsas razões económicas, leva-nos a perceber quais são os produtos que se vendem e porquê. Não, não são as razões económicas nem e grosso formato de alguns livros a interditar o gosto por este mercado. O contínuo desgaste das boas preferências literárias -- aliás como também noutras áreas artísticas -- deve-se a muitos factores sociais e culturais alinhados na distribuição «democrática» de variadíssimos produtos, o que verdadeiramente não fazem, pois a incidência da sua política de consumo é culturalmente redutora e induz o efeito de moda em torno de coisas que parecem necessárias ou surpreendentes. Assim, autores que beneficiam de largo acesso aos media e grandes máquinas de angariação pública, começam a ganhar muito depressa a sedimentação em alvos de preferência. Se o apresentador da televisão escreve aquele livro, e com ele estão logo milhares de pessoas, o caso explode num ápice, a grandeza do acontecimento é desproporcionada para a verdade interior da obra ou para a equidade a subscrever um redor de certas obras qualitativamente equivalentes. As editoras não prospeccionam, esquecem ofertas eventualmente preciosas, e os seus colaboradores da comunicação social vão atrás das chamadas escolhas óbvias que todos os dias escorrem para as livrarias. O encobrimento de muitos autores de qualidade, porque todos os anos surgem autores de qualidade, resulta da incompetência, dos interesses imediatos e do tráfico de influências: neste mesmo instante, livros porventura superiores aos que se penduram no top jazem abandonados nas montras, de súbito velhos. Em geral, a qualidade e progresso da arte depende, em paises pequenos, não da brutalidade do mercado selvagem mas do cuidado cirúrgico de vários operadores a trabalhar consequentemente. Para a literatura, além dos outros campos, é preciso «haver quem permaneça imune à generalização da banalidade e preserve esse tipo de coragem que representa a fidelidade a mais nenhuma verdade que não seja a verdade da obra de arte»*
Já houve tempo em que as coisas não se passavam desta forma. Naturalmente que as obras de qualidade careciam ainda de um público alargado, o acesso aos vários consumos trabalha-se a partir de minorias, e nem sempre, numa medida de proprocionalidade do lançamento dos produtos, da notícia sobre eles, e da própria moda que daí pode decorrer. Hoje, para certa gente, o sacrifício a favor do livro cai em Saramago (ele, ainda por cima prémio Nobel, alagou grande parte dos próprios meios eruditos) e os livros do Saramago são colocados em pilhas nas montras das livrarias, em detrimento de outros, isolados, cuja vida talvez seja mais reveladora. Eu penso que, se fosse livreiro, teria apenas (quando da saída dele) um único exemplar do escritor do prémio Nobel, nobilitando outras presenças que soubesse valiosas e desconhecidas dos maquinais compradores de nóbeis. E porquê? Porque um livro de Saramago, exposto com critério, chama sempre os compradores antecipadamente agarrados. Enquanto que um Nick Tosches, mesmo estrangeiro e bem actual, só toca os muito bem informados. Não sei mesmo se, nos casos mais perdidos da informação, não seria boa a invenção de legendagem original, giratória, bem relativizada. O critério da procura está viciado, pela futilidade, pela notícia escassa e deformada, pelos «códigos», pelo escândalo ou revelação se segredos, entre outros motivos, e por isso os livreiros deveriam fazer também o seu simpósio para estudarem as estratégias de combate à degradação do gosto, aos impulsos esquizofrénicos do mercado, acertando em novos processos de trabalho em coorde-
nação com os vendedores. A este respeito Pires Aurélio escrevia que os «próprios divulgadores da grande arte, para além de garantirem, por vezes contra a evidência, que ela também pode ter público desde que bem divulgada» -- assim o proclamam «porque não dispõem de mais argumentos ou já se renderam à inutilidade de os invocar»*
Assim, ao lamentar-se o possível destino de Fiama, denuncia-se por essa trágica verdade a sombra brumosa que envolve correctos critérios de produção e distribuição. Imaginem que Saramago, justamente aquele que já nem precisa que o empilhem nas montras, escrevia agora, como derradeira obra anunciada, O CÓDIGO DO NOVO TESTAMENTO. Certamente já sabem o que aconteceria. Embora isso não evitasse os que iriam compará-lo com todos os fazedores de códigos e fundamentações de sinal sagrado que ainda sobraram do holocausto.
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* da coluna «FIAMA, por Diogo P. Aurélio.

1 comentário:

jawaa disse...

O que mais acrescentar a quem já diz tudo o que penso sobre este assunto? Ou por outra, tudo não, que há pelo menos que lamentar com veemência a falta de apoio que este espaço vem apresentando, se tivermos em conta umas «alquimias» que me passaram por perto e a que recentemente acedi por acaso.
Um abraço